sábado, 13 de maio de 2017

A mágica colheita de 1990 no Dão

Estive estes dias em Terras de Penalva para preparar o lançamento das próximas novidades da prestigiada cooperativa local. Ao almoço, com o nosso Presidente e o enólogo António Pina, vivi mais uma experiência gratificante com um tinto do Dão, da colheita de 1990. Esta colheita é mágica para mim, pois, além de magnífica, foi a primeira em que me iniciei a fazer vinho a solo na minha região natal. Foi na Quinta das Maias e também na Quinta dos Roques, que viriam, ao longo de mais de uma década, a constituir-se como verdadeiros "baluartes" da região. Também foi nesse ano que começou a germinar a ideia de criar uma associação de vitivinicultores da região do Dão - que viria a ser conhecida por VINIDÃO - e que muito contribuiu para a revolução que se operou na região com o movimento dos vinhos de quinta do Dão. Por estas razões e muitas outras que poderiam ser invocadas, não resisti à tentação de propor ao meu Presidente que abríssemos uma garrafa da cooperativa que estava num expositor do restaurante onde fomos. Ele hesitou e perguntou se valeria a pena, pois era capaz de já não estar em condições. Ao olhar para a cor do vinho eu disse logo que o risco seria mínimo e, provavelmente, iria proporcionar exclamações de alegria e admiração. Abriu-se, pois, a dita garrafa, cujo rótulo assustaria qualquer mortal, mas cujo conteúdo o poria logo em sentido.


O nosso anfitrião percebeu que era um momento solene e caprichou no serviço, trazendo copos "especiais" com o logotipo da cooperativa e uma jarra para proceder à decantação. A primeira surpresa foi constatar a ausência de sedimento e a segunda perceber que a cor do vinho era ainda mais saudável do que o inicialmente previsto. Logo que se deitou nos copos foi com sofreguidão que todos os levámos ao nariz, para ver como estaria. O meu Presidente olhou de soslaio para mim com algumas dúvidas estampadas na cara, mas eu sosseguei-o logo: "Não se preocupe Senhor Clemente, cheira mal mas não é defeito, é feitio"! Era o chamado "pivete da garrafa", que faz lembrar o cheiro de canos velhos, fruto da quase total anaeorobiose em que o vinho se encontrva há mais de 15 anos. Passados poucos minutos o "pivete" desapareceu e surgiu a complexidade de um grande tinto do Dão em idade adulta. Todos nos entusiasmámos e não resistimos mais a levá-lo à boca. Estava como eu imaginava: elegantíssimo, na frescura da sua acidez e dos 12,5% de álcool ("bons velhos tempos"). A complexidade aromática era surpreendente e o final de boca triunfal. Até o "bacalhau podre" se eomocionou, proporcionando um repasto que perdurará na memória por muito tempo. Nem só as quintas do Dão produzem grandes vinhos. As cooperativas também, como o comprovou, mais uma vez, este brilhante vinho.

Há dias de sorte!

Professor Virgilio Loureiro

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