Ao fim de cerca de oitenta anos o vinho do garrafão chegava, finalmente, ao copo de prova! O branco ia começar a revelar os seus segredos e o primeiro felizardo a conhecê-los, por deferência do anfitrião José Baeta, foi Virgílio Loureiro. Habituado a estas andanças o sortudo não se deslumbrou com o privilégio evitando levar, de pronto, o copo à boca! Um momento destes tinha de criar expectativa entre todos os presentes e ser desfrutado com a elevação que um vinho octogenário merecia, mesmo correndo-se o risco de ouvir reclamações dos mais impacientes.
Assim, a primeira medida a tomar foi apreciar detalhadamente a cor e aspecto do vinho, cujos pormenores intrigaram todos os assistentes. Para surpresa de todos o aspecto do vinho era absolutamente cristalino, que se podia justificar por o garrafão estar há décadas na vertical, ornamentando o hall de entrada da Adega Viúva Gomes. Já a cor motivava muitas interrogações, pois era acobreada e não dourada, como era suposto. As tonalidades avermelhadas permitiam especular quanto à cor do vinho original, que podia ser tinto, pois sabe-se que os tintos vão perdendo a cor até ao ponto de ficarem tão claros como os brancos, cujo processo de envelhecimento, por sua vez, os faz escurecer.
Em suma, ao fim de muitos anos é difícil saber-se se um vinho é branco ou tinto, sendo necessário procurar a tonalidade avermelhada das antocianinas para identificar o tinto. O vinho do garrafão seria, então, tinto, como denunciava o matiz avermelhado? Alguns dos presentes acharam que sim, mas acontece que o garrafão estava rotulado e indicava que era branco "genuíno"!? Ter-se-ia dado o caso da empresa que o engarrafou - "Viúva José Gomes da Silva & Filhos" - ter trocado os rótulos? A primeira etapa estava cumprida e como grande vinho que parecia ser, deixou o primeiro enigma a pairar entre todos os presentes.
A segunda etapa da apreciação do vinho foi a prova de nariz, sendo tempo de cheirar o copo sem o agitar. A primeira impressão foi verdadeiramente emocionante, pois revelou uma fragrância intensa onde imperava uma complexidade deliciosa. A emoção sentida convidava a descrever o aroma com descritores sensoriais, como é norma quando o vinho impressiona. Porém, VL resistiu a essa tentação, pois sabe que os ditos "descritores" devem ser designados mais apropriadamente "metáforas" sensoriais, pois dependem da emoção que o vinho causa no provador, sendo muito subjectivos.
Por isso, cada provador descreve o vinho como lhe vem à cabeça e de forma diferente dos outros todos. A fragrância do vinho convidava a cheirá-lo muitas vezes, mas o perigo de saturar os receptores olfactivos exigia moderação. Passou-se, por isso, à segunda etapa olfactiva, cheirando o vinho após agitação intensa. E eis que surge, como por encanto, uma explosão aromática surpreendente, que começou a espalhar-se pela adega. Os atentos espectadores começaram, então, a impacientar-se, pois sentiram as notas aromáticas que saíam do copo! Havia, pois, que acelerar a prova e não fazer sofrer mais os presentes. Ia, finalmente, fazer-se a prova de boca - a prova real - para que o vinho segredasse o que tinha dentro!
Fotos cortesia de Rui Viegas
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Professor Virgilio Loureiro
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