Escrevi recentemente para a Rede Angola um artigo sobre este assunto, mas como ainda continua a incomodar-me resolvi recuperá-lo e acrescentar mais uns pozinhos… O Douro é como todos os portugueses sabem, a região onde se faz o Vinho do Porto. No entanto isto é uma não verdade quando se trata de não portugueses. De uma forma geral eles desconhecem o berço do Vinho do Porto e mais espantados ficam quando se lhes diz que este vinho, na sua caminhada para o mercado exterior, onde sempre se vendeu a maioria, não pisa o solo do Porto. De facto, como bem explica o vídeo que podem assistir através do link AQUI, a gula do Bispo do Porto (não é de agora o apetite das igrejas pelos nossos bolsos…), empurrou para a, na altura, Vila de Gaia, os armazéns onde repousam, nalguns casos por muitas dezenas de anos, este glorioso néctar, que é conhecido segundo diz o meu pai, por Vinho Fino para os antigos, Vinho Tratado para a família, Vinho Licoroso para os amigos e por Vinho do Porto para os doutores…
O trajeto era feito através de um rio turbulento, ainda não estava domesticado pelas diversas barragens que agora o contêm, em frágeis barcos conhecidos por Rabelos e deram origem a muitos acidentes com perdas por vezes dramáticas para a região, como foi o caso da morte do Barão de Forrester no Cachão da Valeira, na altura, um perigoso e estreito rápido. A vela não era muitas vezes suficiente para levar o barco pelo rio acima e tinham de ir homens para a margem e através de um cabo de nome sirga puxar o barco pelas zonas mais complicadas. Vida difícil e arriscada a destes homens que ajudaram a fazer o Douro.
O vídeo atrás referido desencadeou uma breve e pouco útil troca de galhardetes com um enólogo da região. Tudo porque resolvi fazer um pequeno comentário dizendo que estava muito bem não fora um pequeno erro ao dizer que o Douro é a mais antiga região demarcada de vinhos do mundo. Por este exemplo também se vê como um mito pode ser construído em pouco tempo. O que ainda me incomoda não é a tentativa vã de manter uma mentira é a intolerância e a raiva demonstrada. Pouco faltou para me chamar de traidor à pátria! O tal enólogo, que me escuso de identificar para não lhe dar publicidade gratuita, começa por reafirmar o que ela disse e eu corregi, como se tivesse ouvido mal, sugerindo-me uma segunda audição e falando em regulamentação. Fui ouvir e lá estava a menina a falar em demarcação e não em regulamentação. Respondi dizendo exatamente isso e identificando as duas regiões que em termos de demarcação, são mais antigas, Chianti na Itália e Tokaji na Hungria. Segundo ele, Chianti nem pensar e Tokaji é uma incerteza… Perguntei o porquê de Chianti estar fora desta discussão, já que quem o afirma, Jancis Robinson, é só a autora de alguns dos mais conceituados livros sobre enofilia e Master of Wine, o mais elevado galardão nesta matéria.
Não obtive resposta a esta pergunta e não vale de todo estar a escalpelizar aqui esta discussão, mas vale a pena falar do que move estes pretensos defensores da pátria. Para eles, deve-se repetir esta mentira até à exaustão até que se torne verdadeira. Tudo vale para vender a região. Ora, o Douro não precisa de nada disso para ser, como é, uma das melhores regiões vinícolas do mundo. Não precisa que se diga uma mentira quando se pode dizer, sem medo de errar, que esta foi a primeira região regulamentada como são na sua essência as regiões hoje em dia. A qualidade do seu inimitável Vinho do Porto e mais recentemente dos seus vinhos tranquilos, brancos e tintos. Dos seus espumantes que muito devem a um angolano que por lá assentou arraiais, Celso Pereira de seu nome. Do recuperado Colheita Tardia, porventura mais conhecido por Late Harvest, pela mesma empresa (Real Companhia Velha) e pela mesma marca (Grandjó) que o tinha começado a fazer em 1925. A região que tem também o título de recordista no mundo em termos de castas utilizadas na produção dos seus vinhos, algumas das quais pouco mais se sabe que o seu nome tem muito para pesquisar, trabalhar e descobrir para que todo o seu potencial possa aparecer. Algo que eu prevejo não acontecer nem no próximo século. Além do mais, a mentira tem perna curta e se pensam que quem vai ao Douro não vai a Chianti ou a Tokaji, deixem-me desenganá-los, pois o enoturismo está cada vez mais na moda e já são muitos, os que como eu, escolhem locais para passar férias que além de serem agradáveis só por si, tenham também boa gastronomia e bons vinhos para descobrir. Não vai ser difícil para eles comparar as datas e ver quem está a mentir! Para o senhor enólogo que insiste nesta mentira por achar que está a fazer muito pelo Douro eu tenho que lhe dizer que se quer fazer alguma coisa pela região só tem de fazer melhores vinhos!
Hildérico Coutinho (Escanção / Sommelier)
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