O terceiro quartel do século XX (1950-1975) foi sem dúvida uma época marcante, para o bem e para o mal, no panorama vínico nacional. Nesta época vivia-se uma espécie de “troica vínica”, ou seja, um sistema no qual o consumidor podia optar para realizar a compra dos vinhos para beber em casa.
Por um lado, o vinho podia comprar-se a granel na tasca e havia tantas opções por onde escolher. Por outro lado, também podiam adquirir os vinhos engarrafados ou engarrafonados através das adegas cooperativas, criadas nesta altura, nas regiões mais produtivas. Por fim, havia ainda as empresas armazenistas (Real Companhia Velha, Caves S. João, Caves Aliança, entre outras), que detinham algumas das marcas mais cobiçados pelos enófilos de então e que ainda perduram nos dias de hoje: Grantom, Sidrô, Terras Altas, Meia Encosta, etc.
Sir Eurico Amaral (Foto by Marco Lourenço) |
Era este o panorama vínico nacional no tempo em que o Dr. Eurico Amaral (pai) viajava com frequência pelas principais capitais vínicas europeias com o intuito de provar os vinhos mais famosos de então. Deste hábito, raro e inacessível para o comum dos portugueses seus contemporâneos, surge a constatação pessoal de uma premissa quase irreal: o Dão possuía o melhor vinho do mundo. E quantos mais vinhos estrangeiros provava mais ficava convencido dessa afirmação.
Com o passar dos anos, um desígnio ia fermentando na cuba dos seus sonhos: a criação de um vinho de quinta com as uvas provenientes das suas vinhas em Vilar Seco. Estávamos então na década de 50!
E se bem o pensou, melhor o fez. O Dr. Eurico Amaral (pai) contou com a ajuda do Engenheiro Vilhena para em conjunto recorrerem às velhas técnicas dos Dão, ou seja, misturar as castas tintas tradicionais: Baga, Touriga Nacional e Jaen entre outras, com algumas das castas brancas nos tradicionais lagares de granito Beirão.
O resultado foi um vinho tinto de cor aberta, tradicional na altura, mas nunca foi lançado para o mercado já que o pai do projeto começou a apresentar problemas de saúde e acabou por vender a quase totalidade da colheita de 1958. Sim, leu bem. 1958.
Hoje em dia os afortunados que provam este vinho raro, o Quinta da Fata 1958, constatam a sua frescura, equilíbrio, elegância, acidez e final longo. Um vinho de classe mundial.
Afinal, o Dr. Eurico Amaral (pai) tinha razão.
Paulo Pimenta (Wine & Stuff)
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