quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Os meus vinhos em 2017 - Parte II

Continuando a partilha de sensações e provas experimentadas ao longo de 2017, debruço-me agora nos vinhos tintos, espumantes e generosos. Mais uma vez reforço que seria mais fácil mencionar os "colossos", mas vou me concentrar nos que consumi mais ao longo do ano (ainda que muito menos do que vinhos brancos) e aqueles que são diferenciadores, por este ou aquele motivo.

Começo obviamente por um dos vinhos mais desconcertantes provados em 2017, o Zafirah 2016, primeiro vinho de Constantino Ramos (enólogo residente de Anselmo Mendes). O propósito deste vinho é o de remontar às antigas tradições dos vinhos tintos produzidos na região de Monção. Sim, é um "verde tinto", produzido das castas típicas tintas da região com predominância de Alvarelhão, secundado por Borraçal, Pedral e apenas um pouco de Vinhão. provenientes de uma vinha com mais de 70 anos ainda com sistema de condução em latada procurando imitar esses vinhos, que há época eram comparados aos Borgonha. E o resultado é um vinho de cor violeta turva, pois não foi sujeito a qualquer filtração, para preservar todo o seu caracter. O aroma é fresco e frutado, mas de uma fruta vermelha bem fresca e pura (framboesa, morango). É, no entanto, na boca que deslumbra pela elegância e incrivel acidez que lhe aporta uma grande personalidade e versatilidade gastronómica. Termina longo e bem crocante a pedir novo copo. O facto de apresentar pouco mais do que 10º de alcool torna-o ainda mais viciante.


Da Quinta da Fata chegou provavelmente o melhor Touriga Nacional. Os seus Touriga Nacional costumam ser agrestes em novos, cheios de aromas a bosque e toques resinosos - tão típicos de um "Fata", apenas se mostrando civilizados com mais de 5 anos de garrafa pelo menos. Ora, este Grande Reserva 2014, feito 100% de Touriga Nacional, de uma vinha velha da quinta mostra-se, neste momento, com um conjunto tão complexo de sensações aromáticas que o levam para uma outra profundidade. Ao mesmo tempo, a boca tem uma estrutura impressionante, com frescura a rodos e muita elegância, fino até, tornado-se muito apelativo, a beber JÁ. Esta combinação de potência e elegância, torna-o um vinho enorme agora, mas crescerá ainda mais em garrafa seguramente. Não tenho dúvidas que é um dos melhores Tourigas da Fata de sempre e um grande vinho do Dão. Em 2015 venceu o prémio "Melhor Vinho do Produtor" do Dão. percebe-se porquê!


Da Casa da Passarela, onde efectuei uma visita memorável, destaco o Villa Oliveira - Vinha das Pedras Altas 2012, que já tinha tido o privilégio de provar na Casa da Passarela e me fascinou imediatamente. Continua a fascinar-me! Aqui estamos na presença de um blend de uma vinha velha, a Vinha das pedras Altas. O resultado é um vinho super elegante e fino, muito fresco e sedoso, delicioso e cheio de classe. Uma palavra também de apreço ao enólogo Paulo Nunes que tem efetuado um trabalho notável no Dão (não só na Passarela) e que é um dos jovens enólgos mais promissores da sua geração.


A Bairrada foi uma região onde provei tintos da casta Baga, de perfil "clássico" - embora o termo seja discutível - vinhos com taninos duros e boca potente, e outros de jovens produtores que apresentam uma baga mais "pronta a beber" sem deixar de apresentar longevidade e grande elegância e frescura. Do lado clássico, saúda-se o regresso (em grande forma) de Sidónio de Sousa, com o seu garrafeira 2011, grande complexidade, nariz marcado por frutas de bosque e especiarias, com nuances balsâmicas. Na boca apresenta-se volumoso e encorpado, novamente com a fruta de bosque a sobressair juntamente com algum herbáceo, as notas da madeira são discretas (os 24 meses de estágio foram feitos em tonéis velhos de carvalho português ), taninos imponentes e uma acidez refrescante a equilibrar o "todo", num final de boca intenso. Um vinho para crescer durante muitos anos, mas que não deixa de ser já um regalo para os nossos sentidos.


Do lado "menos clássico", junto a nomes como Filipa Pato com o seu Nossa, ou Mário Sérgio com o seu Avô Fausto, entre outros, destaco o Outrora, produzido a partir de uvas da casta Baga, de vinhas com idade superior a 100 anos, estagiou 2 anos em barricas de carvalho. Apresenta uma enorme profundidade e complexidade aromáticas, logo ao primeiro impacto olfactivo, com notas vegetais, especiaria e alguma fruta, que se confirma na boca Taninos poderosos, mas já amaciados, numa boca cheia e com muita tensão, mas ao mesmo sem se impor em demasia, aportando uma elegância que lhe confere classe. Termina muito longo e gastronómico. Um grande vinho.



Para finalizar... o Alentejo, uma região que (re)descobri e onde se comprova que é possível fazer vinhos magníficos. Entre visitas memoráveis e provas entre amigos, destaco: Quinta do Mouro Touriga Nacional 2014, um vinho a fazer jus à personalidade sui generis do produtor Miguel Louro, um Touriga cheio de força e frescura, jovem imberbe e mexido, perfumado, cheio de acidez. Magnífico. Dona Maria Grande Reserva 2012, outro grande vinho do Alentejo, com classe, potente e fresco em simultâneo, uma delícia para os sentidos. Blog 2011, de Tiago Cabaço. O jovem produtor do Alentejo que tem na marca .com talvez os seus vinhos mais conhecidos não brinca em serviço com os seus Blog. Este 2011 está magnifico, não só reflecte o ano fantástico de 2011 como demonstra o potencial do Alentejo (O Blog bivarietal 2012 foi eleito o melhor vinho de lote do mundo e é também soberbo). Avó Sabica 2011. Desconhecia este produtor. O Duarte Silva é que me deu a provar este vinho que ao que parece apenas é produzido em anos de excepção. Conjuga potência e elegância como ninguém. Que grande vinho! 


No que toca aos espumantes há que referir o Quinta de São Lourenço 2007 das Caves São Domingos que andou a circular um pouco por toda a parte, dada a sua qualidade para o preço que apresenta. Eu consumi bastante. Depois os Murganheira e Raposeira, sempre escolhas seguras para todos os bolsos e todos os gostos - consistência e qualidade directamente da região de Távora- Varosa. Os Vértice também dispensam apresentações. Pode se gostar mais do cuvee, do Gouveio, ou do Rosé, mas é impossivel não apreciar a qualidade bem acima da média dos bolhinhas de Celso Pereiria. Os Baga@Bairrada também cresceram em número e qualidade, pelo que é possível comprar um espumante com selo de qualidade desta região, a um preço bastante atractivo. Há muitos outros que poderia mencionar, pois Portugal está a produzir cada vez melhores espumantes (Quinta dos Abibes por exemplo), mas opto por destacar o Marquês de Marialva Cuvee 2011, o espumante topo de gama da Adega de Cantanhede, produzido maioritariamente de Arinto, com um toque de baga. Um extra reserva bruto do ano de 2011 (36 meses de cave), com degorgement em 2015, feito pelas mãos do Sr. Bolhas (e não só), o grande enólogo Osvaldo Amado. O resultado é um espumante de grande complexidade, com notas aromáticas a citrinos e apontamentos florais. Boca com mousse delicada e algum brioche, bolha fina, mas "bruta", isto é bem presente a lembrar que estamos perante um Bairrada. Muito fresco e crocante, terminando num final bem longo.


Num ano onde bebi muito poucos vinhos fortificados destaco claramente o que mais me impressionou, o produtor de vinhos da Madeira Blandy's. Não só a prova que decorreu na garrafeira Tio Pepe foi extremamente didáctica, como também se provaram vinhos extraordinários, do qual destaco (poderiam ser outros) o Terrantez 1980, um vinho do meu ano de nascimento, cheio de força, com uma acidez descomunal e uma boca deliciosa e cheia, com final interminável. Porra, que os vinhos da Madeira são do caraças!

Colossos:

1. Bussaco 1960, provado no mesmo dia que o branco de... 1958, nas caves do Bussaco, um vinho tinto que parece resistir à passagem do tempo, cheio de frescura e finesse. Uau!

2. Villa Oliveira Passarela 2014, blend de castas de vinhas muito velhas, maioritariamente Baga e Jaen, temperadas com Alvarelhão ou Tinta Carvalha, entre outras. Tudo castas que remonstam a primeira marca da casa Villa Oliveira, como homenagem à sua rica história, com 125 anos. O vinho é simplesmente descomunal aliando uma invulgar potência para a região, a uma desconcertante elegância. São 2000 garrafas apenas, a um PVP de 90€, das quais serão lançadas para o mercado apenas 200 garrafas por ano. Um vinho para ser apreciado nos próximos 10 anos.

3. Mouchão Tonel 3-4 2011, icon alentejano, apenas produzido em anos especiais, do "tal tonel". O sétimo da linhagem desde que começou a ser produzido, em 1996. 97 pontos por Robert Parker! Para beber daqui por uns bons anos!

4. Legado 2012 - Da Sogrape, “o testemunho do conhecimento e do saber” que Fernando Guedes recebeu de seu Pai, fundador da Empresa em 1942, e que agora pretende “deixar às gerações futuras da família”.Um vinho monumental, hiper complexo, elegante, fresco, de enorme profundidade e final longuíssimo, cheio, cheio de classe!


Sérgio Lopes

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