segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Prova inacreditável de Vinhos do Dão entre os anos 50 e 90, na CEV Dão

Inicio o ano de 2019 com o relato de uma prova memorável (talvez a mais esmagadora de 2018), que ocorreu no último dia do mês de Agosto, em Nelas. A prova decorreu no âmbito da Feira do Vinho de Nelas, no Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, que promoveu uma prova dos seus vinhos mais raros e antigos. 


O Centro de Estudos do Dão é uma instituição que tem apoiado a região do Dão, quer na viticultura, quer no estudo e identificação das diferentes castas autóctones e que tanto diferenciam a região, contributo esse desde os anos 50 do século passsado até aos dias de hoje. O CEVDão possui ainda e fruto desse trabalho de investigação permanente, uma garrafeira recheada de pequenos (GRANDES) tesouros, brancos e tintos, que um grupo muito restrito de participantes teve o raro privilégio de provar.


A prova, foi conduzida pelos enólogos Paulo Nunes (Casa da Passarella) e José Carvalheira (Caves São João). Denominada "Vinhos produzidos no CEV Dão - Colheitas dos anos 50 a 90" abarcou alguns dos mais icónicos brancos e tintos, produzidos no centro, dos anos 50 a 90 do século XX – uma colheita por década. Algo muitíssimo raro, até porque alguns dos vinhos em prova, foram apresentados provavelmente mesmo uma última vez, pois existem muito poucas garrafas disponiveis.  


Os Brancos

Foram provados 4 vinhos brancos, dos anos 1958, 1963, 1974 e 1995. Apenas a década de 80 ficou de fora.


Iniciamos com um branco do ano de... 1958! Este vinho tem mais de 6 séculos de história. Bem, tem a idade do meu pai, vejam só! Olhando para o copo impressiona logo pela cor, nada carregada para um branco com 60 anos de idade. O nariz é extremamente complexo com alguma fruta ainda...! Mas é na boca que esmaga completamente, apresentando volume e uma acidez crocante que nos faz salivar, seca a boca, terminando muito longo e impositivo. Inacreditável juventude. Seguiu-se a prova do branco de 1963, outro vinho incrivelmente jovem, muito complexo de nariz, mais contido que o 58 e com algumas nuances de frutos secos. A boca é enorme, muito fresca, elegante e mineral. De novo a fazer-nos salivar dada a enorme acidez. Parecia que estavamos na presença de um vinho com 15 a 20 anos. Inacrivel.


O vinho seguinte datava de 1974. Estamos de novo na presença de um vinho impressionante, mas que depois dos dois anteriores sofre em comparação, pois eram ambos ENORMES. Ainda assim apresentou-se numa forma incrivel e não lhe daria mais do que 20 anos, provado as cegas. Seguramente. Finalmente, provado o branco de 1995. Aqui, abro um parentesis para informar que os 3 vinhos anteriores eram vinifcados através do processo tradicional de "bica aberta", com engaço, em lagares de granito, seguido de estágio prolongado, muitas vezes em Tonel de Carvalho, o que lhes conferia uma certa austeridade em novos, mas que por ventura explica a forma singular como chegam aos dias de hoje, cheios de vivacidade. Este vinho de 95 marca por assim dizer nesta prova a viragem para enologia moderna, com fermentações com temperatura controlada, desengace e o uso de Inox. Assim temos um vinho no copo com mais de 20 anos, mais próximo daquilo que é o nosso standard de  prova de um "vinho branco antigo", com notas mais familiares, como os "apetrolados", com menos camadas, por assim dizer, um pouco mais direto que os anteriores. Até na cor se aproxima dos mais antigos, provavelmente pelo processo de vinificação utilizado.


Os Tintos

Seguiu-se a prova de 5 vinhos tintos dos anos 1958, 1963, 1974, 1983 e 1996.


Começamos novamente em grande com o tinto de 1958, feito de um blend de várias castas, entre elas Touriga Nacional, Alfrocheiro, Bastardo, Tinto Cão, Jaen e Rufete. Um vinho enorme, com 60 anos, mas cheio de frescura, com muita elegância e uma boca enorme. Com alguma fruta ainda, vejam só. E a cor? Inacreditavelmente viva. Wow! Dificil de descrever de tão esmagador.


Seguiu-se o 1963, um tinto com a particularidade de ter sido feito 100% de Touriga Nacional, a casta rainha da Região. Embora não tenha sido consensual entre os provadores presentes, gostei muito deste vinho. Poder provar um TN do Dão de 63, chegar a 2018 com volume, boca sedosa, alguma fruta ainda presente e claro alguns aromas terciários, mas muita frescura e mais corpo que o 1958, é  a prova de que um monocasta pode também chegar muito longe. O 1974 volta a ser um blend de castas autoctones da região e estamos na presença de um vinho fresco, ácido ainda com taninos, mais vegetal que os anteriores - 1 bom exemplar de um bom vinho velho, daqueles que estamos habituados a provar, muito bem conseguido e que dá muito gozo a beber.


O colheita 1983 surpreendeu pela cor bonita e viva, pela forte presença de fruta no nariz e pelos taninos sedosos. Um vinho seco, macio e longo, de grande prazer. Ainda jovem. Finalmente o tinto de 1996, este então super jovem, parecendo ter acabado de sair para o mercado, por assim dizer. Cheio de fruta, com taninos por limar e muita acidez. Realmente singular, a pedir algo para comer! Aliás, praticamente todos se mostraram com alto pendor gastronómico.


Foi uma prova memorável a todos os niveis, repleta de vinhos icónicos que desafiam o próprio tempo e a forma como a região pode pensar o futuro, com base nestas experiências de sucesso.

Citando Paulo Nunes, «estes vinhos do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão são um verdadeiro tratado de enologia!»

Ora, nem mais!

Sérgio Lopes

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